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Morreu o carioca do bairro do Méier, Millôr Fernandes, aos 88 anos, um desses artistas criativos que atuavam em várias frentes, com o mesmo talento, cada vez mais raros no mundo moderno. Ele era desenhista, escritor, dramaturgo, jornalista, roteirista de cinema e tradutor. Entre seus trabalhos mais importantes, está a fundação do jornal O Pasquim, em 1968, que se tornou um marco por representar uma frente na luta contra o regime militar e também por apresentar um novo modo de se fazer jornalismo, inovando principalmente nas entrevistas.
“Quem é que eu sou? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não se fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e, depois, as pontas. Só muito mais tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e Ele me venceu com um sórdido milagre. A segunda contra o destino, e ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui”. Assim o escritor e jornalista se autodefiniu no texto “Autobiografia de Mim Mesmo à Maneira de Mim Próprio”, presente no livro “Contos Fabulosos”, lançado pela editora Desiderata, em 2007.
CARREIRA
Millôr Fernandes começou como repaginador e contínuo no semanário “O Cruzeiro”, em 1938. Rapidamente, assumiu a direção da revista “A Cigarra”, assinando a seção “Poste Escrito”, com o codinome Vão Gogo, o qual, em seguida, utilizou na coluna “Pif-Paf”, da mesma “O Cruzeiro”, durante 18 anos. Fez tanto sucesso que, em 1957, ganhou uma exposição individual de seus trabalhos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Tradutor de clássicos de autores como Sófocles, Shakespeare, Molière, Brecht e Tennessee Williams, Millôr Fernandes também não se esquivava das polêmicas. Em 1963, foi afastado da revista O Cruzeiro em função da criação “A Verdadeira História do Paraíso”, que foi considerado ofensivo pela Igreja Católica. Já em 2009, se desentendeu a respeito da digitalização de seus artigos, que haviam sido publicados sem autorização no acervo on-line da revista “Veja”, da qual foi um dos primeiros profissionais, em 1969, numa época em que a revista inovou no jornalismo brasileiro, mas que com o passar dos anos, tornou-se uma das publicações mais reacionárias em defesa do pensamento conservador brasileiro.
O humorista morreu na casa onde morava em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro, em função de falência de múltiplos órgãos, segundo o filho Ivan Fernandes. No ano passado, ele foi internado duas vezes, mas, na época, não foram divulgadas informações sobre o motivo da internação, atendendo a um pedido da família. Millôr Fernandes deixa dois filhos, Ivan e Paula, e o neto Gabriel. “Em suma: um humorista nato. Muita gente, eu sei, preferiria que eu fosse um humorista morto, mas isso virá a seu tempo. Não perdem por esperar”, garantiu na mesma autobiografia.
DILMA LAMENTA
A presidenta Dilma Rousseff lamentou a morte de Millôr Fernandes. Em nota, Dilma destacou as múltiplas habilidades de Millôr e disse que, com a morte dele, o Brasil perde uma referência intelectual.
“Millôr Fernandes foi um gênio brasileiro, um ícone do humorismo. Brilhante jornalista, com a mesma maestria tornou-se escritor, cartunista e dramaturgo. Autodidata, traduziu para o português dezenas de obras teatrais clássicas. Atuou em diversos veículos de comunicação, além de ter sido fundador de publicações alternativas. Com sua morte, o Brasil e toda a nossa geração perdem uma referência intelectual”, disse Dilma em nota divulgada pelo palácio do Planalto.
(Fonte: Rede Brasil Atual e Agência Brasil)
VEJA AS CAPAS DAS 23 PRIMEIRAS EDIÇÕES DO ‘O PASQUIM’:
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Crônica
“Que foi isso, de repente? Nada; dez anos se passaram. Não diga! Se somaram? Se perderam? Algumas relações se aprofundaram? Se esgarçaram? Onde estávamos? Onde estamos? E…aonde vamos? O tempo, em lugar nenhum e em silêncio, passa. É inegável – todos temos mais dez anos agora. Ainda bem, poderíamos ter menos dez. Tudo nos aconteceu. Amamos, disso temos certeza. E fomos amados – onde encontrar a certeza? Avançamos aqui materialmente, ali não, nos realizamos neste ponto, em outros queríamos mais, algumas coisas tivemos mais do que pretendíamos ou merecíamos – mas isso é difícil de reconhecer. Perdemos alguém – “Viver é perder amigos”. No meio do feio e do amargo, no tumulto e no desgaste, tivemos mil diminutos de felicidade, no ar, no olhar, na palavra de afeto inesperado, que sei? Espera, eu sei. É a única lição que tenho a dar; a vida é pequena, breve, e perto. Muito perto – é preciso estar atento.
Millôr Fernandes