Um dos desafios da SPM é garantir o direito de ir e vir das mulheres, ainda que elas tenham deixado o país para se prostituir. Na Espanha, Itália e Portugal já existe o Ligue 180, uma luz no fim do túnel para as vítimas
Oitenta por cento das vítimas de tráfico humano são mulheres. Em geral, deixam o país para se prostituir (Foto: Marcello Casal Jr./ABr)
São Paulo – Oitenta por cento das vítimas de tráfico humano são mulheres. No Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cada órgão público envolvido tem atividades específicas, mas a Secretaria de Proteção às Mulheres (SPM) tem demandas maiores devido a essa estatística. Um dos desafios é garantir o direito de ir e vir das mulheres, independentemente do que elas vão fazer fora do país ou de seus estados.
“Sim, porque se a pessoa decidir se prostituir, ele precisa ter esse direito resguardado”, disse a secretária nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da SPM, Aparecida Gonçalves. Como muitas acabam envolvendo-se em situações de exploração, a atenção da secretaria também está voltada ao retorno da vítima ao país, no direito que ela tem de ser acolhida pelos serviços de atendimento às pessoas em situação de violência. Dados mais precisos sobre o crime fogem ao controle do governo federal porque as mulheres atendidas entram para as estatísticas municipais, já que o atendimento é feito nas cidades, e não há muita fluência nas informações.
“Temos trabalhado para qualificar e preparar os serviços de atendimento, como os Creas (Centros de Referência Especializados de Assistência Social) e outros que possam atendê-las quando elas retornam, dando a acolhida necessária”, detalha Aparecida. Quando as vítimas chegam do exterior e procuram ou são encaminhadas ao posto de atendimento, seja no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) ou do Rio de Janeiro, por exemplo, elas são destinadas para onde desejam, o que pode ocorrer imediatamente, do aeroporto mesmo, de acordo com o que a equipe local apurar da necessidade. “A mulher vai ser enviada para a cidade que quiser e lá vai encontrar a equipe e o serviço para atendê-la. “Esta é a construção que estamos fazendo para acolher as mulheres vitimadas”, diz.
Ligue 180
Uma ferramenta que tem auxiliado, uma pérola dentro do programa de enfrentamento ao crime, é o Ligue 180 internacional. Feito em parceria da SPM com a Polícia Federal, o atendimento foi criado para recebimento de ligações de denúncias feitas da Espanha, Itália e Portugal. Este ano, deve ser ampliado para mais países. As ligações começaram a partir de janeiro, e têm se mantido na média de 18 por mês desde então. “O que a gente avalia é a dificuldade de as pessoas se encorajarem a ligar para denunciar. Além disso, a campanha de divulgação ainda não começou de fato. Ainda não conseguimos produzir material para colocar nas mídias locais, nas rádios, é um processo que vai sendo desenvolvido aos poucos”, explica Aparecida.
Além do tráfico de pessoas, a secretaria também lida com casos de mulheres que se casaram com estrangeiros e os maridos tornaram-se agressores, e elas não conseguem sair do país porque não detêm a guarda do filho, por conta da Convenção de Haya sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, que coíbe o deslocamento internacional de menores. “Temos as mulheres falando sobre violência doméstica que elas sofrem nesses países. Querem apoio, saber de que forma o governo brasileiro pode ajudá-las. Nos casos de tráfico elas querem ajuda, querem voltar, querem apoio do consulado para que tenham proteção na volta”, observa Aparecida.
A secretária relata que recentemente chegaram de volta ao país mulheres que receberam todo o acompanhamento desde a iniciativa de denunciar pelo Ligue 180. Segundo Aparecida, foram dois casos do Maranhão, dois do Pará e um de Goiás.
Modus operandi das quadrilhas
Os aliciadores agem de acordo com a exigência do cliente, que é muito variável, a tal da lei da oferta e procura. Entre 2006 e 2007, por exemplo, ocorreu o “ciclo das goianas”. Os criminosos procuravam por morenas com traços indígenas. “No ano passado, a procura foi maior no Amazonas, por índias, e eles vão trocando rapidamente os ciclos. Se a PF e o governo fecham o cerco na região onde os aliciadores estão agindo, eles trocam de lugar”, afirma Aparecida.
Além disso, a preferência varia de acordo com o país. Segundo Aparecida, os italianos gostam de travestis. Os espanhóis gostam mais das morenas de Goiás. Alemães gostam mais das nordestinas. “A cada quadrilha, a cada aliciador, um perfil de mulher diferente.”
A SPM sabe que existe uma grande rede de aliciamento, mas não sabe informar o tamanho porque cada uma tem uma metodologia particular. Aparecida diz que elas usam pessoas que foram aliciadas como iscas. “Investem para que a pessoa que viajou mostre que se deu bem na vida. Daí, ela vem para o Brasil e leva outras pessoas da própria família.”
Na abordagem dos aliciadores, as mulheres, que desconhecem o risco do tráfico, aceitam o trabalho. Mas, na verdade, elas aceitam ser prostitutas, até porque em muitos países prostituição não é crime. “Elas pensam: ‘Eu tô indo para fazer programa, para dançar em boate’, mas o que encontra vai muito além disso”, conta a secretária.
Aparecida diz que o importante é que mesmo que ela tenha aceitado ir para qualquer país para ser prostituta, ela não aceitou ter o passaporte apreendido, não aceitou ficar presa. Ela não supunha que ficaria sem se comunicar com ninguém. Ter de consumir droga, álcool. Aí se caracteriza o tráfico. “Ela não pensava em fazer quinze, vinte programas por dia e ficar sem o dinheiro. Ela aceita ser prostituta, mas não ser explorada sexualmente.”
Por: Evelyn Pedrozo, da Rede Brasil Atual