Mais de 2 bilhões de pessoas no planeta acessam a internet diariamente, segundo o International Telecomunication Union. Dentre esses internautas há milhares de crianças e adolescentes que recebem a todo o momento diversos tipos de conteúdo e informação. É da ciência de todos, os benefícios propostos pela internet, porém, muitos desconhecem os riscos envoltos nesse universo onde o anonimato é permitido. Pessoas mal-intencionadas aproveitam da possibilidade de manter sua identidade oculta para cometer um dos crimes mais chocantes: a pedofilia.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a indústria da pornografia infantil movimenta por ano entre 3 e 20 bilhões de dólares no mundo. O problema é maior do que se possa imaginar, já que a comercialização de imagens não é feita somente por pedófilos, mas também por quem tem interesse em lucrar com a venda de fotos e vídeos pornográficos que envolvam crianças e adolescentes.
As redes de pornografia infanto-juvenil e de pedofilia encontraram no mundo virtual um terreno vasto para realizar e propagar seus crimes. Com os perigos existentes, é necessário todo o cuidado e atenção ao permitir que as crianças naveguem pela web. Para Rodrigo Nejm, diretor de prevenção da ONG SaferNet Brasil, a precaução é fundamental e os pequenos devem sempre ser monitorados pelos pais. “É necessário ter uma base de confiança e diálogo para proteger seus filhos”, aconselha.
Mais de 7 mil denúncias
De janeiro até junho de 2011, a SaferNet Brasil recebeu 7.743 denúncias de pornografia infantil. Diariamente são descobertos milhares de sites com esse conteúdo, entretanto, os órgãos responsáveis não conseguem contabilizar um número exato, devido à demanda de denúncias. “É impossível saber com exatidão, assim como nos sites de pornografia adulta, são abertos milhares de endereços com origem criminosa”, relata Nejm.
De acordo com o diretor de prevenção, a pedofilia é um problema social e todos devem zelar pelo direito de proteção à criança. A melhor forma de evitar esse crime horrendo é investir em políticas públicas de prevenção e também no serviço de atendimento às vítimas. “É preciso educar as pessoas através de campanhas para que elas façam uso seguro da internet. E também proporcionar atendimento a quem sofreu tamanha violência”, pontua.
No Brasil, a Lei pune quem comete crime de pornografia infantil com 4 a 7 anos de prisão, além da multa. Já a pedofilia é considerada crime hediondo e no Código Penal se enquadra como estupro de vulnerável (artigo 217-A), com pena de 8 a 15 anos de reclusão e de 10 a 20 anos em casos de lesão corporal grave.
Exposição virtual
Ao ter ciência de um site de conteúdo sexual infantil, o usuário deve denunciá-lo imediatamente, aos Conselhos Tutelares, ao Ministério Público, a Polícia Federal, ao Disque 100 ou pela internet e, não repassar o endereço da página em redes sociais ou entre seus contatos, pois isso aumenta a visualização das imagens e a exposição pode causar sensação de humilhação às vítimas. “As pessoas têm uma curiosidade mórbida e isso só faz divulgar e expor os menores”, adverte Nejm.
Para a coordenadora da Campanha Nacional de Combate à Pedofilia na Internet, Roseane Miranda, a dificuldade de se comunicar com as empresas responsáveis pela hospedagem de sites para denunciar páginas criminosas é um exemplo claro da impunidade e da falta de colaboração dos provedores. “Enquanto a legislação não for eficaz e segura, enquanto multas pesadas não forem previstas, nada disso irá mudar. E o pior, crianças continuarão sendo duplamente vítimas, pela pedofilia e pela exposição às imagens”, alerta.
Inimigo íntimo
Com a explosão das redes sociais, milhares de crianças e adolescentes criaram suas páginas pessoais para se comunicar com os amigos, além de conhecer outras pessoas. Muitos por quererem parecer populares acabam adicionando ‘amigos’ que nunca viram e assim ganham inúmeras amizades virtuais. Até mesmos nos programas de conversa instantânea, como o MSN e nas salas de bate-papo, a conversa com desconhecidos é algo comum e constante. Porém, os jovens não se dão conta dos riscos que correm ao trocar informações com quem está do outro lado do computador.
A possibilidade de marcar encontro com quem nunca viu não é rara. Por isso a máxima ‘nunca fale com estranhos’ é válida também na Internet. Tais cuidados básicos, a secretária Lídia Gonçalo tenta passar aos seus filhos. “Sempre falo para eles manterem contato apenas com pessoas conhecidas, não passar informações como endereço, número de telefone e evitar compartilhar fotos e apenas acessar sites liberados para as suas faixas etárias”, conta.
A fragilidade da legislação no Brasil, que não tem leis específicas para crimes cometidos com o auxílio da internet facilita a ação dessas redes de pornografia e exploração sexual infanto-juvenil. Outro empecilho é a ausência da denúncia. Muitas vezes o crime não chega ao conhecimento da Polícia, pois quem sabe do abuso não denuncia por temer represálias. Já algumas crianças e adolescentes se calam por medo do agressor ou por vergonha de terem sido abusadas. Porém especialistas alertam os pais a manterem o diálogo em casa.
Segundo o psicólogo e chefe do Núcleo Forense do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Antônio de Pádua Serafim, os pais devem ficar atentos a qualquer tipo de comportamento estranho de seus filhos, a fim de perceber se há sinais de que eles sofreram abuso ou se estão sendo vítimas de assédio. “Os meninos tendem a manifestar mais agressividade e isolamento. As meninas ficam erotizadas, mais insinuantes. Ambos apresentam elevação de ansiedade, medo constante de contatos com a figura adulta. E podem reproduzir o comportamento do abuso. Na escola há mudanças no rendimento escolar”, observa.
Ainda segundo Nejm, os programas que bloqueiam sites não são precisos e suficientes para garantir a segurança das crianças devido à diversidade de palavras usadas como pesquisa. Além do mais, em outros lugares, como em lan houses, elas terão livre acesso e se tornam vulneráveis. “A internet é como uma grande praça pública, onde as crianças têm acesso livre a todo tipo de informação. Se os pais não liberam seus filhos para andarem sozinhos pelas ruas, não podem simplesmente deixá-los à vontade pela web”, conclui.
(*Por Ana Paula Timóteo e Kelly Rodrigues, especial para o Fato Expresso)