Para construções da Copa e da Olimpíada, 2 mil foram despejados. Dossiê estima que 170 mil pessoas podem ter direito à moradia atingido
São Paulo – As obras para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil acumulam, até novembro deste ano, 10 paralisações de trabalhadores em metade das 12 cidades-sede do evento. A estimativa consta do dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos”, divulgado na segunda-feira (12) pela Articulação de Comitês Populares para a Copa, que também denuncia desalojamento de até 170 mil moradores de suas casas, a maioria pobres, em função da construção e reforma de estádios e da infraestrutura para os eventos, abrangendo a Copa 2014 e as Olimpíadas de 2016.
A pressão da Federação Internacional de Futebol (Fifa) para que os estádios dedicados à Copa das Confederações, realizada um ano antes do Mundial, estejam entregues em dezembro de 2012 foi transferida para os trabalhadores. “Essa pressão parece favorecer também às próprias empreiteiras, uma vez que contribuiu para os atropelos legais, aportes adicionais de recursos públicos, irregularidades nos processos de licenciamento de obras e inconsistência e incompletude de alguns projetos licitados sem qualquer segurança econômica, ambiental e jurídica”, afirma o documento.
O mais grave é que a pressa e a preocupação com atrasos “serviu como pretexto para as violações de direitos dos trabalhadores nas obras dos estádios e dos projetos de infraestrutura”. O cronograma apertado para grandes obras resulta em “más condições de trabalho e na superexploração dos operários, a despeito das cifras milionárias destinadas às obras”, ainda segundo o dossiê.
As 10 greves desencadeadas em seis dos 12 estádios em construção ou reformas para a Copa são um indício do cenário. Aconteceram paralisações no Mineirão em Belo Horizonte, no Mané Garrincha em Brasília, no Arena Verdão em Cuiabá, Arena Castelão em Fortaleza, no Arena Pernambuco em Recife e até no Maracanã, no Rio de Janeiro.
Os trabalhadores reivindicaram melhores salários, direitos como plano de saúde, auxílio alimentação e garantia de transporte, bem como condições adequadas de segurança, salubridade e alimentação. O dossiê aponta excesso de horas extras, acúmulo de tarefas e jornadas de trabalho “desumanamente prolongadas”.
Em novembro, a Federação Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM) e cinco centrais sindicais, a CUT, Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), União Geral dos Trabalhadores (UGT) e Nova Central Sindical, construíram pauta unificada para Acordo Nacional Articulado para as obras da Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. As reivindicações vão desde piso salarial unificado e participação nos lucros e resultados (PLR) a plano de saúde e adicional noturno de 50%. A pauta foi protocolada junto à Secretaria Geral da Presidência da República e Ministério do Trabalho e Emprego.
Empreiteiras financiam eleições
As sete maiores empreiteiras do país, Odebrecht, Camargo Correia, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, Delta e Galvão Engenharia, são apontadas como “as maiores financiadoras de campanhas eleitorais milionárias no Brasil”. O relatório cita estudos que sustentam que a doação de recursos para candidatos é “um bom negócio”, com “retorno” de 8,5 vezes os valores cedidos em contratos licitados pelos governos.
A epígrafe do relatório é uma citação a um artigo de Sócrates Brasileiro, ex-jogador, médico e comentarista esportivo morto no início de dezembro deste ano. No trecho, ele ironizava a conduta de “quem está no comando do nosso futebol” se tivesse de administrar questões alheias ao esporte, demandando recursos públicos para lucrar.
Despejos de moradores
Os preparativos para a Copa do Mundo 2014 em 2 cidades-sede e da Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro já provocaram o despejo de 2.092 pessoas em todo o país. O montante total pode chegar a 170 mil, segundo a Articulação de Comitês Populares para a Copa. O relatório “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos” acompanha 82 intervenções nas 12 cidades, incluindo estádios esportivos, obras de infraestrutura de transporte – incluindo aeroportos, terminais rodoviários e outros modais para mobilidade urbana – e até hotéis.
O maior número de ameaçados concentra-se em Fortaleza. Há estimativas “conservadoras”, segundo termos dos ativistas, de que 15 mil famílias possam ser atingidas por empreendimentos relacionados à Copa do Mundo.
Para os movimentos populares, a maior ameaça de violação do direito ainda está por vir em decorrência de grandes projetos urbanos com impactos econômicos, fundiários, urbanísticos, ambientais e sociais. A avaliação é que, além das obras públicas em si, é esperada a proliferação de condomínios de luxo e centros empresariais.
Para erguer esse tipo de empreendimento, na visão dos ativistas, as empresas do setor imobiliário atuam para retirar ou isolar populações pobres na região, ou podem até “atropelar” comunidades para se expandir.
O dossiê critica as diferentes instâncias de governos por não haver estimativas oficiais sobre o número de despejos. O levantamento dos comitês inclui 21 desocupações de vilas e favelas nas cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Há relatos de “estratégias de guerra” empregada na ação, com abusos pelas forças de segurança pública.
Na lista de práticas “de guerra e perseguição”, estão ações como marcar casas a serem demolidas com tinta sem esclarecimento nem comunidado prévio, invasão de casas sem mandado judicial, apropriação indevida e destruição de bens móveis. O dossiê cita ainda a “terceirização da violência verbal” praticada contra os moradores, com empresas contratadas exclusivamente para pressionar a população a deixar o local antes da ação de despejo se concretizar.
O relatório cita, como caso emblemático de práticas abusivas a ação para a construção do Parque Linear Várzeas do Tietê, na cidade de São Paulo. A construção da Via Parque, avenida instalada no para “valorizar a região”, paralela à rodovia Ayrton Senna, entre o Aeroporto Internacional de Guarulhos e o futuro estádio do Corinthians, provável sede paulista na Copa do Mundo, em Itaquera, na zola leste.
“Mais de 4.000 famílias já foram removidas do local sem serem consultadas sobre a implantação do parque e sem saber para onde iriam. Outras 6.000 famílias aguardam sem saber seu destino”, diz o dossiê. O líder comunitário Oswaldo Ribeiro conta que os moradores foram pegos de surpresa. “Com um projeto de tamanha proporção, a comunidade no mínimo tinha que ser consultada”, reclama Oswaldo. “As famílias foram morar ali há mais de 40 anos, quando ainda não era Área de Proteção Ambiental”, diz.
(Por: Anselmo Massad e Redação da Rede Brasil Atual)