A disputa semântica é um dos campos de batalha dos conservadores para esculhambar com qualquer resistência inteligente à barbárie do Capitalismo selvagem
Márcio Amêndola*
Como ex-aluno da USP, tenho gasto muita saliva e paciência para conversar com amigos, vizinhos, colegas de trabalho, o balconista da padaria da esquina e até com a senhora do cafezinho. Todos indignados com os “maconheiros da USP” que – quanta audácia, meu Deus! – invadiram a Reitoria da Universidade de São Paulo ‘só’ porque “três alunos burguesinhos” foram presos ao serem flagrados dividindo um baseado. Uma ‘invasão’ por um motivo tão pueril, até eu rechaçava. Santa Cannabis, Batman!
Porém, este ‘fato’ do repúdio dos estudantes à presença da Polícia Militar na USP, só para poderem fumar maconha à vontade, amplamente divulgado ‘ad-nauseam’ na TV, com direito a esculhambação de todos os apresentadores dos populares programas policiais, até dos ditos ‘sérios’ jornais da Globo e da Band, merece uma atenção e uma reflexão maior do que o simples senso comum.
Sou daqueles que acreditam – infelizmente – que a invasão (esta sim, INVASÃO) da Tropa de Choque da PM de Alckmin à Reitoria ocupada, com requintes de Estado Policial, foi um fator de propaganda excelente para a imagem do tucanato e do falido aparato de segurança paulista. Todo mundo, em São Paulo e no Brasil passou a semana falando dos tais ‘maconheiros’ que invadiram a Reitoria por causa da prisão de três de seus pares. Donas de casa indignadas bradavam que seus filhos não conseguiriam entrar na USP, enquanto alguns moleques mimados não faziam por merecer suas preciosas vagas naquela vetusta instituição.
Um blogueiro (será que foi o mesmo que mandou o Lula tratar de seu câncer no SUS?) indignado, irado mesmo, quase teve um orgasmo, ao apoiar a PM e gritar: “Baixa o cacete nesses maconheiros, Tropa de Choque! Baixa o cacete!!”. Enquanto isso, 70 alunos eram colocados incomunicáveis num ônibus da PM, deixados trancados num sol tórrido, e descendo de dois a dois para prestarem depoimento na Delegacia, por pelo menos TRÊS CRIMES!! Pôxa, porque não os indiciaram por QUATRO? Poderia ser uma mão nas RODAS. Que tal ‘formação de quadrilha ou bando’, como sempre fazem contra os Sem Terras? Ou ‘furto qualificado’? isso é fácil. Basta sentirem a falta de uma caneta bic ou uma caixinha de elásticos da pobre Reitoria arrombada e invadida.
O desfecho autoritário deste triste episódio é uma perda, a meu ver, porque estimulou também o que há de pior na manipulação dos fatos pela mídia burguesa. Porque levou milhões de brasileiros a embarcarem inocentemente na versão de que é preciso reprimir estudantes dentro de sua própria Universidade, sob o argumento moral do combate às drogas. Mas o principal, porque jogou uma cortina de fumaça sobre a destruição do ensino público que este Governo do PSDB está realizando dentro do Estado de São Paulo.
O governo paulista já vem privatizando a Saúde a passos largos, com a transformação do Hospital das Clínicas em uma Autarquia (terá duas portas, uma privada e outra pública), com a entrega de 25% dos leitos hospitalares públicos aos convênios particulares de saúde. Agora, mostra suas garras contra a Educação. No ensino básico e médio já empurrou os alunos para aprovação automática, mesmo que não saibam ler um bilhete ao final dos estudos. Na Universidade, tornam o vestibular cada vez mais difícil, com inscrições a R$ 110,00 para garantir a distância dos pobres à USP, UNESP e UNICAMP.
Dentro da USP, neste governo com seu Reitor fantoche, João Grandino Rodas (o terceiro colocado nas eleições, mas ‘agraciado’ por José Serra com o cargo, em detrimento dos mais votados pela comunidade universitária), a privatização do espaço público corre solta. Na FEA (Faculdade de Economia e Administração), cujos alunos apóiam a PM na USP, em sua maioria, as verbas são suntuosas, porque o ‘mercado’ precisa de seus formandos. Enquanto os demais alunos da USP comem no bandejão a preços módicos, a FEA privatizou um espaço nos fundos da sua faculdade, onde instalou um confortável restaurante, onde uma refeição custa o equivalente a DEZ almoços do bandejão.
Na USP proliferam as chamadas ‘Fundações Educacionais’, que cobram altos preços por seus cursos de especialização e MBA a alunos endinheirados, e estes cursos são realizados DENTRO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, com energia, salas, multimeios comprados com dinheiro público, daquele balconista da padaria da esquina, da senhora do cafezinho e do ajudante de pedreiro, cujos filhos JAMAIS terão acesso a uma vaga nesta Universidade.
Rodas e seu governo recusam as notas do ENEM para admitir alunos; tornam o vestibular mais difícil em 2011, ao mandar para a segunda fase apenas dois ou três candidatos por vaga, cobram as mais altas taxas do país para uma inscrição num vestibular, sucateiam os cursos de Humanidades, Português, Geografia, História, Ciências Sociais, Matemática, aqueles dos futuros professores da escola pública.
Enquanto isso, na contramão da USP, o governo federal aumenta o número de vagas e cria mais Universidades Federais, onde a nota do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) é aceita em lugar do vestibular, sem qualquer custo adicional para o aluno. O mesmo governo federal que financia bolsas de estudos (algumas com 100%) para os mais pobres freqüentarem uma universidade privada através do PROUNI (na verdade, sou contrário a esta política, já que o nível de muitas faculdades privadas é baixíssimo).
Enfim, o governo paulista sucateia ou privatiza tudo o que é público: TV Cultura, Sabesp, Eletropaulo, Metrô, Universidades. E faz pose de estátua para uma mídia subserviente e elitista. A reserva de vagas está garantida para os riquinhos da USP nos cursos mais caros, de profissões mais ‘nobres’, desde que joguem fora o ‘baseado’, baseado no fato de que em São Paulo os tucanos podem fazer quase tudo, inclusive usar 400 homens da Tropa de Choque para expulsar 70 ‘perigosos’ jovens pensantes de uma Reitoria Ocupada (Putz! Quase seis PMs pra conter cada um dos estudantes…).
Por tudo isso, sou solidário à greve decretada pelos estudantes. Fora com a PM da USP, fora com João Grandino Rodas, o feitor que não dialoga, não ouve, não representa o interesse público, e cujo título mais recente foi o de “Persona non Grata” na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde era diretor antes de ser nomeado Reitor biônico. Os professores, alunos e juristas ex-alunos de Direito-USP deviam bem saber com quem estavam lidando, ao considerar João Rodas uma figura indesejada em suas fileiras.
*Márcio Amêndola de Oliveira é jornalista e bacharel em História (USP)
Veja a galeria de charges sobre a ocupação da PM e reintegração de posse da reitoria da USP:
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Caro Marcio, gostaria de dizer que também como ex-aluno da Oontologia da USP, estou enojado com a “imprensa” brasileira que por muitos outros motivos eu desprezo,assino em baixo todo o seu artigo e também venho me desdolbrando em meu circulo de amizades para tentar dar uma outra visão do fato ocorrido na USP, gosltaria de sua autorização para usar seu artigo em espaços sdde discussao que possuo.
Prezado Albino,
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Márcio Amêndola
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